sexta-feira, 7 de agosto de 2020

A Ponte da Misericórdia

 Você conhece a Ponte da Misericórdia?

Bruno Nascimento Campos

A Ponte da Misericórdia foi segunda ponte de pedra a ser construída em São João del-Rei. Em comparação com as pontes do Rosário e da Cadeia, a Ponte da Misericórdia ou da Santa Casa era pequena. Segundo Luís de Melo Alvarenga, a ponte foi construída com o objetivo para facilidade e maior segurança das pessoas que necessitavam ir ao hospital.

    
Rua da Misericórdia, início do século XX (imagens publicadas no grupo "A Antiga São João Del-Rei!", no Facebook)

Localizada sobre o córrego do Segredo, sua construção foi arrematada por Aniceto de Sousa Lopes em uma espécie de licitação ocorrida em 12 de dezembro de 1798, com previsão de entrega em junho de 1799. O Mestre Francisco de Lima Cerqueira, construtor das igrejas de São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo, foi o fiador de Aniceto nesta empreitada. Para Luís de Melo Alvarenga, Mestre Francisco foi professor de Aniceto no ofício. 

A Ponte da Misericórdia possui somente um só arco de cantaria lavrada. Em virtude da remodelação por que passou a Rua da Misericórdia, em 1912, foram retiradas as grades de ferro da ponte e alguma cantaria, procedendo-se o soterramento do arco de cantaria lavrada, o alargamento da rua e construção de uma galeria, com arco em tijolo, pedra e concreto, para passagem do córrego do Segredo.

A ponte se encontra localizada sob a Rua Dr. Cid de Souza Rangel (anteriormente denominada Rua Comendador Bastos e, antes ainda, Rua da Misericórdia), entre as Avenidas Nossa Senhora do Pilar e Andrade Reis. Segundo Sebastião Cintra, a Avenida Nossa Senhora do Pilar foi aberta na gestão do Prefeito Padre Oswaldo da Fonseca Torga (1948-1951) e a Avenida Andrade Reis foi aberta na gestão de Nelson José Lombardi (1963-1966), com a canalização do córrego do Segredo.

 
Projeto apresentado para revitalização da Ponte da Misericórdia na primeira década de 2000

Em 28 de fevereiro de 2004, o chão cedeu no início da Avenida Nossa Senhora do Pilar, revelando parte da Ponte da Misericórdia. Para as comemorações relativas Capital Brasileira da Cultura 2007, foi apresentado um projeto para requalificação da área, visando desenterrá-la.

Foto: Francisco Vítor (2004)

Bibliografia

ALVARENGA, Luís de Melo. Pontes de Pedra. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. Vol. I, 1973.

CINTRA, Sebastião de Oliveira. Subsídios para a história de São João del-Rei: o bairro do Segredo. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. Vol. I, 1973.

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Monografia Histórico-Corográfica do Município de S. João del-Rei. Rio de Janeiro, IBGE, 1943.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Transparência pública

Bruno Nascimento Campos*

A transparência na administração pública é obrigação imposta a todos os administradores públicos. Considerando o plano ideal, estes administradores atuam em nome dos cidadãos e devem zelar pela "coisa" pública com maior cuidado que o tomado na administração de seus interesses pessoais. Nós, os administrados, temos o direito à publicidade dos atos do Estado e o dever de exercer a fiscalização. O combate à corrupção é apenas um dos aspectos da transparência, mas não o principal. Isto porque nosso dever, enquanto administrados, não se limita à fiscalizar eventual ilegalidade na gestão pública, mas também verificar se a destinação dos recursos, além de lícita, tem sido adequada, razoável e eficiente.

É importante salientar a criação, em 2004, pelo Governo Federal do “Portal da Transparência do Poder Executivo Federal” (Acesse www.transparencia.gov.br), regulamentado pelo Decreto nº 5.482/2005, com a finalidade principal de divulgar dados e informações dos órgãos e entidades da administração pública federal na Internet, sem prejuízo daquelas encaminhadas para o controle dos órgãos de fiscalização institucionais - Tribunal de Contas, Controladoria Geral da União, Ministério Público e Congresso Nacional. Esta medida, possibilitada pelos avanços tecnológicos, visa a inovação da relação entre o Estado e a sociedade, possibilitando a esta o exercício da fiscalização e acompanhamento das contas no âmbito da Administração Pública.

O referido decreto prevê um conteúdo mínimo das informações a serem disponibilizadas, tais como, os gastos efetuados pelos órgãos e entidades da administração pública federal, os repasses de recursos federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios, as operações de descentralização de recursos orçamentários em favor de pessoas naturais ou de organizações não-governamentais de qualquer natureza, e as operações de crédito realizadas por instituições financeiras oficiais de fomento.

Esta importante medida no sentido da transparência representa um grande desafio aos administradores públicos, pois exige a divulgação de dados e informações ao público em geral. Esta exposição deve se dar de forma clara e compreensível, com confiável certeza quanto aos dados informados, que traduzam as ações da administração e os recursos alocados, tornando mais transparente a gestão. Uma exigência fundamental, para o sucesso deste tipo de empreitada, é que os dados e as informações publicadas sejam feitos em linguagem clara e de fácil compreensão pelo cidadão que, em regra, não domina os conceitos técnicos e jurídicos de corrente uso na administração pública. Não se concebe, por isso, que as informações, a pretexto de satisfazer ao princípio da publicidade, sejam apresentadas na forma de mera publicação do orçamento público, com as suas tradicionais rubricas codificadas em cadeia, ou de outro modo que as tornem indecifráveis. Há de ser uma exposição cristalina, detalhada e objetiva, mas de modo que seja compreensível não apenas por técnicos mas, principalmente, por qualquer cidadão, o autêntico interessado nas informações. O princípio constitucional da publicidade dos atos da administração não pode representar uma letra morta, muito menos ser autorizador da divulgação de políticas pessoais dos administradores (até porque feriria de morte ao princípio da impessoalidade). A publicidade a que alude o artigo 37 da Constituição Federal de 1988 deve ser interpretada em consonância com os fundamentos do Estado Brasileiro (artigo 1º, da Constituição), de modo a atender os princípios da democracia e do exercício da cidadania pelos administrados.

Outro aspecto que merece atenção diz respeito à certeza quanto aos dados a serem divulgados. Isso impõe ao administrador público um exercício ainda pouco usual: o de trabalhar concretamente com as informações, de modo a gerenciá-las e extrair conseqüências práticas quanto à gestão. Eis a razão pela qual não se pode admitir, nos dias de hoje, administrações amadoras, experimentais, baseadas na vivência pessoal do gestor. O manuseio de dados, planilhas e estatísticas é impositivo à satisfação do princípio constitucional da eficiência da administração pública (artigo 37). Para uma eficiente gestão, os dados não podem ser tomados como elementos aleatórios, colhidos por precipitados levantamentos. Devem ser concretos, reais e fidedignos. Extraídos das políticas efetivamente implementadas em conformidade com a peça orçamentária e, sempre que possível, acompanhados de um planejamento estratégico da gestão. Essas mesmas informações servem de ferramenta gerencial ao administrador público, pois lhe permitirá enxergar o desempenho da execução dos serviços públicos ao seu encargo e, a partir disso, subsidiar-lhe nas decisões de alocação dos recursos e no calibramento do planejamento estratégico.

Para concluir, a divulgação das informações tem a virtude de permitir, de modo permanente, não apenas um controle passivo pelo cidadão, mas possibilita o exercício de valiosos instrumentos que lhe foram conferidos pelo constituinte originário, dentre os quais destaco o Mandado de Segurança e a Ação Popular. Enfim, a disponibilização de informações da administração pública é imperativo de ordem legal e moral, que, para além de representar um desafio aos administradores, configura-se em uma moderna forma de prestação de contas aos administrados dada a ampla publicidade que passam a ter os atos com a permanente divulgação nos sítios eletrônicos de cada órgão público. Ademais, é uma ferramenta que legitima o exercício da função do administrador, porque expõe, na melhor acepção do termo, a gestão ao conhecimento de todos. O incremento da quantidade e da qualidade das informações fortalece a administração pública e confere maior sentido ao preceito constitucional que diz emanar o Poder emana do povo.

*Escrito em Agosto de 2009, publicado originalmente em Zimeose

quinta-feira, 14 de maio de 2020

A Imigração Italiana e a Oeste de Minas em São João del-Rei

Bruno Nascimento Campos

Este artigo não propõe ser um trabalho específico sobre a imigração italiana em São João del-Rei. Busco aqui relacionar a imigração e a ferrovia, vendo a primeira como um dos impactos da segunda.

Antes mesmo da criação da Oeste de Minas, se vislumbrava a ferrovia como fator de incentivo à vinda de mão-de-obra européia: “Só estas estradas resolvem o problema da colonização, vital para a nossa prosperidade, pela revolução social produzida pela LEI AUREA (sic). Os Europeus, que justamente preferimos para colonização, acostumados á rápida locomoção e ao contacto imediato com os grandes mercados, não se resignam a viver no quase isolamento em que se acha a nossa população, exigem taes meios de transporte pelo grande e certo resultado de dar valor a toda sorte de producção ainda a mais insignificante”( Jornal “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 05, 08/04/1877).

Na construção das primeiras seções da Oeste se utilizou um contingente considerável de imigrantes portugueses, que possivelmente foram trazidos pelo empreiteiro Antônio Rocha. Mas o que se amadurece e que se concretiza, com interesse direto da companhia de estradas de ferro e das autoridades municipais, a partir de 1886 é a da fundação de um núcleo colonial: “S. Ex.ª o Sñr. Conselheiro Rodrigo Silva, digno Ministro da Agricultura, vivamente interessado pelo desenvolvimento das estradas de ferro no Brazil e pelo povoamento de seu uberrimo sólo, iniciou a fundação de um núcleo colonial proximo á cidade de S. João d’El-Rey, comettimento este já em via de execução. Este grande beneficio instantemente reclamado não só por esta Directoria como pelos poderes constituidos do municipio de S. João, muito contribuirá para o progresso daquella zona e creditos da emigração em virtude da uberdade do terreno e amenidade do clima (...) escolhida para a fundação da colonia”(Relatório da EFOM de 1888, p. 06).

O núcleo foi destinado exclusivamente a colonos italianos. Estes e seus descendentes deram uma grande contribuição para o progresso da indústria têxtil em São João del-Rei. A idéia de atrair imigrantes para São João del-Rei se fortaleceu com a possibilidade da chegada da ferrovia na cidade. Não foram somente os imigrantes recusados por fazendeiros da região que formaram o núcleo do Marçal. A intenção das autoridades, da Cia. de estrada de ferro e, posteriormente da Cia. Agrícola era de formar núcleos coloniais, habitando assim as áreas de atuação destas empresas que eram pouco povoadas e, ao mesmo, promovendo o “embranquecimento” e a “europeização” da população local. Seriam oferecidos ao imigrante um lote de terras, a subvenção estatal e a garantia de mercado para seus produtos, a Cia. Agrícola Oeste de Minas compraria a produção destes imigrantes e a ferrovia garantiria o escoamento desta produção. Esta política de implantação de novos núcleos não foi implementada, ficando restrita ao núcleo colonial de São João del-Rei. Temos elementos suficientes para afirmar que a implantação do núcleo colonial na região se concretizou pela existência da ferrovia.

Os colonos italianos instalados em São João del-Rei experimentaram duas fases com situações administrativas distintas dentro do núcleo. A primeira, de 1888 até 1894, é marcada pela falta de interesse do Estado em prestar assistência ao núcleo. Os imigrantes italianos tiveram que buscar alternativas para tirarem o sustento. No periódico “A Pátria Mineira” de 01 de Agosto de 1889 já trouxe notícias sobre o estado de abandono em que se encontravam os colonos e que a demora para o pagamento das habitações em construção “poderia acarretar desanimo aos colonos”.  Nesta fase, o Estado pretendia desalojar os imigrantes do núcleo para construir a capital mineira naquela área. Tal período de abandono levou a várias reclamações dos imigrantes à Câmara Municipal de São João del-Rei. Os relatos de Carlos de Laet sobre a várzea do Marçal retratam esse estado de abandono: “A várzea do Marçal (...) tem ultimamente adqirido fama, e não pequena, por ser um dos pontos indigitados para o assentamento da futura capital do Estado de Minas. (...)Tudo isso (...) está quase desabitado. Apenas vinte fogos contaram os engenheiros em área de tamahas dimensões! Raros colonos cultivam algumas hortaliças ou entregam-se à destruição do mato para fazer lenha”.

A segunda fase começa a partir de 1894, quando se define o local para se assentar a nova capital, e vai até a emancipação do núcleo em 1900. Nesta fase o Estado investiu e fiscalizou  os núcleos coloniais. O núcleo são-joanense passou a contar com o administrador nomeado pelo município, neste interregno ocorreu a maior prosperidade do núcleo. Várias casas, pontes e estradas foram construídas. A produção agropecuária aumentou e a indústria de olaria expandiu a produção de tijolos e telhas. Com as melhorias, o núcleo conseguiu a emancipação, passando a se manter sem a tutela do Estado, e foi integrado ao município de São João del-Rei.

Em São João del-Rei, alguns dos imigrantes italianos e seus descendentes se integraram à sociedade são-joanense e participaram da atividade comercial e industrial da cidade. Alguns imigrantes, com o apoio da Câmara Municipal, deixaram a lavoura e partiram para a atividade comercial na cidade. Outros imigrantes ou descendentes  tornaram-se operários na indústria têxtil.

A imigração italiana em São João del-Rei possibilitou o aumento da população, influenciou a diversificação do comércio da cidade, os imigrantes forneceram produtos de olaria para construção de novas edificações, aumentaram a oferta de produtos agropecuários na região e forneceram mão-de-obra para o desenvolvimento da indústria têxtil.

Favorecendo o aumento do contato entre a população do núcleo com a cidade e, além do contato, a integração do núcleo à mesma, foi inaugurado em 21 de abril de 1910, o ramal ferroviário da E.F. Oeste de Minas ligando São João del-Rei a Águas Santas. O ramal ferroviário de 11,805 km partia da estação Chagas Dória, em Matosinhos, atravessava o rio das Mortes, cortava a colônia do Marçal e ia até o balneário de Águas Santas. Este ramal melhorou as comunicações e agilizou o fluxo de mercadorias e passageiros do núcleo colonial ao núcleo urbano de São João del-Rei.

Bibliografia:

AGOSTINI, Alzenira da Silva. O Impacto da Ferrovia na São João del-Rei Oitocentista. Monografia do curso de Pós-gaduação em História de Minas século XIX na FUNREI, 1996.

CINTRA, Sebastião de Oliveira. Efemérides de São João del-Rei. 2 volumes, 2ª ed.,Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1982.

GAIO SOBRINHO, Antônio. História do Comércio em São João del-Rei. São João del-Rei-MG: Edição do autor, 1997.

GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais São João del-Rei (1831-1888).

MARCELINO, Luiz Cláudio. Imigrantes Italianos: uma Experiência de Vida no Núcleo Colonial Marçal e José Theodoro. Trabalho apresentado na disciplina “Geografia Aplicada A” do Curso de Geografia da UFMG, 2003.

LAET, Carlos de. Em Minas. São Paulo: Globo, 2ª ed., 1993.

VIEGAS, Augusto. Notícia de São João del-Rei. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 3ª ed., 1969.

Publicado originalmente em O Grande Matosinhos.

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